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Pressão de servidores conteve previdência complementar

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminará o governo sem concluir a reforma previdênciária que iniciou no seu primeiro mandato. O projeto de lei 1992, que institui a previdência complementar para funcionários públicos federais, não será votado este ano. O projeto, encaminhado por Lula em maio de 2007, dorme nas gavetas da Comissão de Trabalho da Câmara, onde não conseguiu avançar um milímetro. “Os próprios parlamentares não quiseram que o projeto avançasse, não quiseram brigar com os servidores públicos”, disse um ministro ao Valor. “Não tem lobby mais poderoso do que o do funcionalismo, especialmente do Judiciário”, acrescentou.

O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), admitiu que o projeto não será votado este ano. Além das dificuldades naturais da matéria, o ano eleitoral não favorece a discussão, uma vez que todas as entidades representativas dos servidores são contrárias ao projeto. Os parlamentares não querem sequer emitir opiniões sobre a proposta. O primeiro relator do projeto foi o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP). No início de 2009, foi substituído na relatoria por Sabino Castelo Branco (PTB-AM). Nenhum dos dois quis falar da proposta. “Esse projeto está parado e não vai andar aqui dentro, pois não há interesse de ninguém que ele avance”, sintetizou o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que é um dos representantes dos aposentados. Nem mesmo o Ministério do Planejamento quis falar do assunto.

Pelas regras previstas no projeto, toda pessoa que ingressasse no serviço público depois da instituição da previdência complementar teria direito, ao se aposentar, a benefício máximo equivalente ao teto do INSS (atualmente de R$ 3,4 mil), da mesma forma que trabalhadores da iniciativa privada. O servidor que quisesse aposentadoria maior teria que contribuir com fundo de pensão.

Depois que os dispositivos constitucionais que tratam da aposentadoria dos servidores foram alterados, em fins de 2003, mais de 119 mil pessoas ingressaram por concurso na administração pública federal. Esses novos funcionários continuarão se aposentando pelas regras atuais, que não têm teto para o benefício, e terão parte de seus benefícios custeada pelos contribuintes. “Quanto mais a reforma for postergada, maior será a necessidade de ajuste lá na frente”, observa o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, pesquisador do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e especialista em questões previdenciárias. “Em algum momento, a sociedade terá que encarar o problema”, acrescenta.

A primeira tentativa de criar uma previdência complementar para os servidores foi feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que, em 1999, encaminhou ao Congresso o PL 9 – projeto de lei complementar que sequer chegou a ser votado. O governo Lula patrocinou uma mudança na Constituição que definiu que a previdência complementar dos servidores seria feita em regime de contribuição definida e não de benefício definido. A emenda estabeleceu ainda que a previdência complementar seria instituida por meio de projeto de lei ordinária.

A idéia do projeto encaminhado por Lula é a de que os servidores terão aposentadoria até o teto do INSS garantida pelo orçamento público. Somente o que excede esse valor terá que ser capitalizado em regime de contribuição definida. “A lógica previdenciária é que os benefícios para as faixas de renda mais elevadas não devem onerar o erário”, explicou Marcelo Caetano. Com o projeto, o governo pretendia harmonizar as regras entre os estratos de renda mais alta do setor público e privado.

Hoje, trabalhador do setor privado tem aposentadoria paga pelo INSS até o teto de R$ 3,4 mil. Dados do Planejamento mostram que aposentados do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público da União recebem em média mais de R$ 13 mil mensais. No Executivo, o valor médio é inferior, mas parte considerável recebe acima do teto do INSS.

No ano passado, as despesas da União com o pagamento de aposentadorias e pensões atingiu R$ 67 bilhões. Esse montante foi destinado a 937.260 aposentados e pensionistas, de acordo com o Planejamento. O valor é superior ao total gasto com a saúde, que absorveu R$ 57 bilhões, incluindo o pagamento de pessoal. Como as receitas ficaram em R$ 20 bilhões, já considerando a contribuição patronal da União, o déficit do regime de próprio dos servidores civis e militares da União atingiu R$ 47 bilhões, o que corresponde a mais de quatro vezes o gasto com o Bolsa Família em 2009. As contribuições dos servidores ativos e inativos somaram apenas R$ 9,3 bilhões.

Para o economista Marcelo Caetano, a atual estrutura do regime de previdência dos servidores é regressiva e acentua as desigualdades. Essa regressividade é dupla, pois os gastos são financiados por tributos que incidem, em grande parte sobre o consumo, atingindo em maior grau as camadas pobres da população. Além disso, os recursos obtidos financiam benefícios previdenciários de pessoas mais bem aquinhoadas.

A demora na instituição da previdência complementar dos servidores público atrasará a mudança desse cenário. Como explicou Marcelo Caetano, este regime terá um custo adicional para a União no curto prazo, pois o governo terá que fazer uma contribuição ao fundo de pensão em nome de cada servidor. Ao mesmo tempo, o governo perderá a contribuição do servidor que também será destinada ao fundo. O pesquisador estima que somente a partir da terceira década, os benefícios da limitação das aposentadorias ao teto do RGPS começam a superar os custos associados às perdas de arrecadação. O próximo presidente terá, portanto, que enfrentar este desafio.

Publicada em 12/07/2010 10:16:16

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