Desde meados dos anos noventa o salário mínimo (SM) mais que dobrou em termos reais. Tal processo teve início em 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso o reajustou de R$ 70 para R$ 100, valor simbólico que correspondia a US$ 100 dólares na época. Fixado hoje em R$ 465, o atual SM representa cerca de US$ 240.
O crescimento do SM nos últimos anos foi resultado de uma conjuntura política favorável a reajustes superiores à inflação. A cada ano, as discussões realizadas no Congresso definiam o novo valor do SM, usualmente reajustado acima da inflação, especialmente ao longo do atual governo.
Há dois anos foi proposta uma nova regra que, embora não aprovada oficialmente, tem sido aplicada na prática. O reajuste é calculado pela taxa de inflação (INPC) acumulada desde o reajuste anterior, sendo adicionada ainda a taxa de crescimento do PIB de dois anos atrás. O uso do PIB defasado deve-se à dificuldade do cálculo de seu valor até o momento do reajuste do SM no ano seguinte.
O crescimento do SM nos últimos anos teve grande importância na melhoria da distribuição de renda no país, conforme pode ser verificado em alguns estudos desenvolvidos por vários autores (ver, por exemplo, Saboia, J., “Efeitos do salário mínimo sobre a distribuição de renda no Brasil no período 1995/2005 – resultados de simulações”, Econômica, v. 9, n. 2, dezembro de 2007).
Cabe lembrar que, além de sua grande importância no mercado de trabalho, o SM tem papel fundamental na seguridade social, representando o piso das pensões e aposentadorias do INSS. Por outro lado, o valor das aposentadorias rurais e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) da assistência social é de um SM. Portanto, a política do SM tem forte impacto sobre as contas públicas do país.
Numa situação como a atual, de recessão, o crescimento do SM acima da inflação tem importante papel na manutenção do nível de demanda interna, especialmente pelo lado do consumo, e contribuiu para que a economia brasileira tenha sofrido menos que a maioria dos países ao longo dos últimos meses.
Diferentemente do SM, as pensões e aposentadorias do INSS não são beneficiadas pelo crescimento do PIB, sendo reajustadas apenas pelo INPC. O fato do reajuste do SM incorporar o crescimento do PIB faz com que, a cada ano, parcela das aposentadorias e pensões do INSS, ligeiramente acima do valor do SM, se iguale ao SM.
Um exemplo pode deixar a questão acima mais clara. Suponha que, por ocasião do reajuste do SM e das pensões e aposentadorias, em 2010 o INPC acumulado seja de 4,5% e o crescimento do PIB de 2008 tenha sido de 5%. Nesse caso, as pensões e aposentadorias serão reajustadas em 4,5%, enquanto o SM será reajustado em 9,7% (1,045 x 1,05 = 1,097). Portanto o SM passaria a R$ 510.
Suponha o caso de um aposentado que receba atualmente R$ 480. Seu reajuste em 2010 seria de 4,5%, resultando no novo valor de R$ 502. Ora, como o piso oficial da Previdência é de um SM, esse aposentado passaria a receber R$ 510, e não R$ 502. Com isso, o número de aposentados e pensionistas que recebe exatamente um SM vem aumentando nos últimos anos.
Se considerarmos outro aposentado que recebesse antes do reajuste, digamos, R$ 500, após o reajuste de 4,5% passaria a receber R$ 522. Antes, ganhava 7,5% acima do SM. Depois do reajuste, passou a receber apenas 2,4% a mais do que o novo SM. Em outras palavras, como a política de reajustes do SM é mais favorável que a utilizada para os aposentados e pensionistas do INSS, cada vez mais o valor de suas pensões e aposentadorias se aproxima do valor do SM.
Por conta dessa desigualdade de tratamento, existe atualmente no Congresso proposta de que as pensões e aposentadorias passem a ser reajustadas da mesma forma que o SM. Embora aparentemente justa, tal proposta congelaria a atual distribuição de renda de aposentados e pensionistas, não contribuindo para a continuidade do processo de melhoria da distribuição de renda que vem ocorrendo no país nos últimos anos.
Parece razoável que, na medida em que a produtividade da economia aumente, os aposentados e pensionistas participem desse ganho. Afinal de contas, tais pessoas contribuíram no passado para que a economia chegasse aonde chegou. A medida mais global de produtividade de uma economia é o PIB per capita. Portanto, poderia ser repassado aos aposentados e pensionistas, a cada reajuste, o crescimento da produtividade, ou parcela deste crescimento, através da taxa de crescimento do PIB per capita.
Em outras palavras, os aposentados e pensionistas poderiam receber a cada ano o atual reajuste pelo INPC acumulado, acrescido de uma participação no aumento da produtividade do país medido pela taxa de crescimento do PIB per capita (e não pela taxa de crescimento do PIB, como no caso do reajuste do SM).
A simples utilização da regra de reajuste do salário mínimo para todas as pensões e aposentadorias não nos parece aconselhável. Além do aumento do peso sobre as contas públicas, teria o efeito de frear o atual processo de melhoria da distribuição de renda que vem ocorrendo no país, que tem sido favorecido por uma política que privilegia o piso da remuneração legal do trabalho e da seguridade social.
Publicada em 30/07/2009 12:00:40