A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) decidiu botar o pé no acelerador. De olho na capacidade das fundações — patrimônio próximo de R$ 470 bilhões, o correspondente a 17% do Produto Interno Bruto (PIB) do país — de sobreviverem em um cenário de juros em queda e risco maior nas aplicações em bolsa de valores, a SPC ampliou em 33% o número de entidades que passarão pelo seu crivo neste ano. Segundo o titular da SPC, Ricardo Pena, 80 fundos (com 120 planos de aposentadoria) terão as contas fiscalizadas.
O maior aperto da SPC não incomoda José de Souza Mendonça, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ABRAPP), órgão que representa o setor. “Passamos muito bem pelo estresse da crise. Tínhamos gordura para queimar”, disse. Depois das perdas do fim de 2008 – o pior momento em 13 anos -, os fundos recuperaram boa parte do patrimônio. No momento mais agudo, em outubro passado, o total de ativos caiu para R$ 438,7 bilhões. Em abril, o patrimônio havia retornado para R$ 469,4 bilhões. “Com a bolsa de valores voltando a subir, logo estaremos com as perdas zeradas”, garantiu.
Para abrir maior espaço para essa recuperação em um cenário de juros mais baixos, a SPC encaminha uma série de propostas com o objetivo de dar maior liberdade de aplicação às fundações. O presidente da ABRAPP agradece. Apesar de elogiar as regras atuais de investimentos, ele assinalou que os fundos precisam de maior liberdade para agir. “Queremos ampliar o percentual de aplicação em renda variável (ações, principalmente), de 50%, e de imóveis, 8%”, frisou. “Não vemos perigo nessa abertura. Não somos especuladores. Nossos investimentos são de longo prazo. A maioria dos fundos está com reservas mais do que suficientes para cumprir suas obrigações.”
O titular da SPC afirmou que, no caso dos imóveis, não é preciso mudar o limite de aplicação, porque hoje os fundos comprometem apenas 2% do patrimônio com tais investimentos. No caso da renda variável, a ideia é ampliar os limites de aplicação para até 70%, fazendo, ao mesmo tempo, um rearranjo nos ativos que entram nessa carteira. A meta é dar maior transparência aos investimentos em infraestrutura, responsáveis por apenas 1% dos ativos das fundações.
Entrevista com Ricardo Pena – Para o Secretário de Previdência Complementar, Ricardo Pena, há clamor por um órgão que não altere políticas só porque o governo mudou.
Com a segurança do patrimônio dos fundos de pensão entrando em uma seara desconhecida e de risco maior, o titular da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Ricardo Pena, alerta que o órgão está no limite e se nada for feito para reforçar sua estrutura rapidamente a situação vai piorar. Ou seja, dificilmente os 34 funcionários que hoje compõem o quadro próprio da SPC terão condições de manter a casa em ordem. A missão de formular, regular e fiscalizar 380 fundações e mil planos de aposentadoria complementar ficará comprometida. Por isso, defendeu, é importante que o Senado, mesmo mergulhado em uma grave crise política, dê sua resposta à sociedade e aprove, ainda neste ano, o projeto de lei que cria a PREVIC, uma autarquia com poderes ampliados para controlar os fundos. No passado, proposta nesse sentindo acabou indo pelo ralo por falta de votação de uma medida provisória. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Pena ao Correio Braziliense.
CB – Qual a importância da Previc?
Ricardo Pena – O Brasil hoje tem o oitavo sistema de previdência complementar fechado do mundo, mas é o único que não tem um órgão de supervisão. Para se ter uma ideia dessa deficiência, nosso orçamento anual é de apenas R$ 1 milhão. Contamos com apenas 34 servidores próprios. Os demais são emprestados, eu inclusive. Fiscalizamos 17% do Produto Interno Bruto, ou seja, R$ 470 bilhões. Há um clamor pela profissionalização, pela criação de uma estrutura, que já vem se arrastando há alguns anos e o setor precisa de um órgão estável, que não mude de políticas só porque o governo mudou.
A Previc conseguirá evitar a quebra de fundos de pensão?
Fundo de pensão pode quebrar. Fundo de pensão é vinculado a uma empresa. Se a empresa vai mal, o fundo acompanha. Vimos isso recentemente nos Estados Unidos. Por isso, o órgão de fiscalização tem que ser diligente. Tem que procurar antecipar essas situações, até para preservar o direito daqueles que já estão lá. No fundo de pensão você tem duas situações distintas: uma do participante assistido, que está recebendo benefícios, outra do participante ativo, que está contribuindo. Quando você decreta uma liquidação, a preferência é do participante assistido. Ele já contribuiu e está recebendo. Não quero recriminar meus antecessores, mas até devido à pouca estrutura da secretaria, não se teve uma postura mais enérgica naquele momento. Não que essa postura fosse evitar as quebras que ocorreram. Fundo de pensão não tem mágica. O dinheiro não brota. É preciso um esforço contributivo mensal das empresas e do participantes.
O senhor acha que a Previc sai este ano?
Acho que sim, até porque, para cobrar a taxa que a sustentará (paga pelos fundos de pensão), temos de respeitar o princípio da anualidade. Então, a Previc tem de ser criada este ano para funcionar em 2010.
Como o senhor viu a situação dos fundos no ano passado, com perdas consideráveis na bolsa?
Os fundos passaram bem pelo teste da crise atual. Nos países da OCDE (grupo que reúne as economias mais ricas do mundo), eles perderam 23% do patrimônio em 2008, o correspondente a US$ 5 trilhões. No Brasil tivemos uma perda de 1%, apesar da bolsa ter caído mais de 40%. Nos últimos seis anos, as entidades se beneficiaram de uma política macroeconômica favorável. O órgão supervisor tem que olhar com uma perspectiva superior a 36 meses.
Como o senhor vê o horizonte para os próximos anos?
Com a crise, o Brasil está passando por uma mudança forte. Vem aí um novo limiar, inflação sob controle e juros mais baixos. Os fundos nunca vivenciaram isso. Vão ter que mudar a política de investimento. Vão ter que deixar o conforto do título público e investir em papéis novos, do setor privado e imóveis. Por isso, estamos propondo uma mudança nas regras de investimentos das fundações.
Nesse novo cenário, cresce a importância da Previc ?
Claro. Você vai ter uma continuidade da política, seja qual for o governo. Quando você muda, você está imputando um custo. A PREVIC terá o papel de oferecer estabilidade de regra, de comportamento dos seus dirigentes, como é o Banco Central, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). E a nova autarquia será constituída sem custo para a sociedade. O dinheiro virá de uma taxa, paga pelas próprias entidades (R$ 33 milhões por ano).
Publicada em 12/08/2009 16:21:07